10/03/2008

Os frascos da Adega

Quem passava pela movimentada avenida, fosse de dia ou de noite, não poderia deixar de reparar no Alonzo. Com sua fachada imponente, cheia de luzes e com o nome escrito em grandes letras, o restaurante era um dos locais mais famosos da cidade. As notícias do sabor incomparável de sua comida, a habilidade dos chefs e a simpatia dos garçons, transmitidas sempre por aqueles que visitavam, era a grande propaganda do restaurante, que atraía centenas de pessoas todas as noites.

A variedade das pessoas que freqüentavam o restaurante também era digna de nota. Magnatas, estudantes, jogadores de futebol, feministas, casais de namorados e de casados há cinqüenta anos dividiam as mesas e o espaço como se fossem todos velhos conhecidos. O restaurante, que também funcionava como um bar para a happy hour, era uma grande área de encontros, onde as diferenças eram sanadas. O ambiente era sempre leve, sempre amigável, parecia que ali, a felicidade era completa.

Soraya e Lina estavam pela primeira vez no restaurante. Soraya havia brigado com o namorado e parecia que iria ficar triste para o resto da vida. A amiga a tentava consolar. Algo muito difícil de se conseguir. Elas tinham escolhido o Alonzo justamente devido à sua fama, Lina achou uma boa idéia testar a ‘felicidade’ do local. Fizeram o pedido. O garçom entrou na cozinha e passou para o chef, que olhou, coçou a cabeça e sentenciou: “Leve lá para baixo”.

O garçom desceu e foi até a adega do restaurante. Lá, estava um senhor de idade sentado diante de uma enorme prateleira de frascos. Ele, que olhava para a estante, pegando as garrafas, leu o pedido das meninas e disse: “Coração partido. Leve este”. Deu um dos frascos para o garçom e foi embora. Durante o cozimento do prato, o chef despejou a garrafa na panela, serviu e entregou ao garçom.

Depois de quatro garfadas e um gole de vinho, Soraya já nem se lembrava mais do namorado que a deixou. Lina lembrava histórias engraçadas e divertia-se contando e rindo. Algumas piadas surgiram ocasionalmente e atraíram mais um grupo de amigos para perto. O lugar todo parecia um grande organismo, completo e cheio de felicidade. Lá embaixo, diante da prateleira, o velho continuava concentrado. Apesar de toda felicidade acima de sua cabeça, ele continuava com a sua missão e as suas receitas. “Depressão. Hum, pesado. Leve um frasco e meio desse aqui”, entregando a garrafinha ao garçom.

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