07/01/2007

Josephine

Quarta-feira, 20h 30. Alex estava sentado à mesa, sozinho, em seu pequendo apartamento. Dividia espaço com farelos de pão e restos de comida, que pousavam entre seus braços cruzados. Noite mal dormida. Noites mal dormidas. Faziam dois dias que não conseguia fechar os olhos e descansar. Sua face estava branca como um cadáver e olheiras negras rodeavam-lhe os olhos, fazendo com que seu rosto se parecesse com uma macabra fantasia de Dia das Bruxas. Sua cabeça latejava. Mais do que a enxaqueca natural por não descansar, um pensamento lhe queimava as têmporas. Batia, doía. E ele já não conseguia suportar a dor. Tinha que fazer algo. Seu pensamento, sua obsessão. Em sua cabeça vazia de cadáver, só uma coisa lhe convinha.

(Josephine...)

Levantou-se cambaleando. Quatro ou cinco passos o levaram até o quarto, passando pela Tv e o velho sofá, onde baratas e pôsteres na parede pareciam lhe observar. Será que estava ficando louco? Será que estava ficando sem juízo? Ou será que seu estado lamentável estava tão claro que até mesmo os móveis da casa podiam ver? Pegou seua jaqueta de couro. Vestiu. Braço esquerdo, braço direito. Um de cada vez. Devagar. Estava preparado para sair na noite fria. Destrancou a porta. Abriu. Não trancou de volta. Não precisava. O apartamento empoeirado nada era perante aquilo que ele buscava. E ele sabia exatamente o que era.

(Josephine!)

Desceu a rua devagar. Enquanto passava pelas calçadas, pedestres noturnos que dividiam a noite com ele o olhavam nos olhos. Aquilo causava incômodo, mas Alex já não tinha forças para fazer muita coisa, só pra continuar a caminhar. Expressão vazia. Braços jogados. Uma força o movia apenas para a frente. Trôpego. Foi quando avistou um bar. Mesmo com todo o seu delírio, não poderia deixar de reconhecer aquele local que tantas vezes o acolheu e que sempre oferecia as respostas para suas inquietações. O Absinto's. Era aqui que ele ganharia forças para poder chegar perto de seu objetivo.

(Josephine!)

Quando entrou no bar, todos que estavam ali olharam direto em seus olhos cansados. Ele respondia timidamente os olhares, mas não conseguia deixar de baixar a cabeça. Sentou se à beira do balcão, apoiando-se para não cair. Jonas, o dono do bar, olhou-o severamente, como sempre fazia com todos os clientes. Já eram 21h 12 quando a primeira frase saiu de sua boca em três dias. A voz saiu baixa, seca, como se pedisse socorro.

- Um conhaque...

O copo batendo na mesa o despertou um pouco de seu devaneio. No fundo do bar, uma figura saiu das sombras e se aproximou, fitando a cabeça baixa de Alex, que olhava para o copo. Era um homem baixo, com cerca de 1,68 m, na casa de seus 40 anos. trajava um peado casaco negro, sujo. Seu rosto também estava com uma aparência suja e com um olhar misterioso. Exalava um cheiro de sapatos velhos, guardados, acabados. Apesar de Alex não se lembrar de nunca tê-lo visto na vida, ele parecia saber bem o que estava acontecendo. O homem aproximou-se devagar, olhando diretamente para Alex. Com um movimento leve, colocou a mão no bolso direito, de onde tirou um pequeno punhal prateado. Estendeu-o a Alex dizendo:

- Pegue isso filho. Vai precisar.

Sem saber o porque, Alex tomou o punhal em suas mãos sem fazer perguntas e, antes que pudesse se dar conta do porque havia ganho aquilo, o homem já havia sumido. Seu cheiro também. Olhou em volta e os olhares dos demais ocupantes do bar persistiam na cena. Incomodado, tomou o conhaque em um só gole e levantou-se do banco. Dirigiu-se à porta sem pagar pela bebida e saiu. Jonas, que assistia à cena de perto. Não se preocupou em cobrar a dívida. Ele sabia que aquele conhaque ficaria como um último presente ao fiel cliente. Alex continuou sua caminhada, ainda pior pelo efeito da bebida, que parecia ter distorcido ainda mais seus pensamentos. Mas saiu pensando no que havia acontecido no bar, com o punhal em suas mãos. Por um momento, ele quase se esqueceu do que o havia feito sair de casa naquela noite.

(Josephine...)

Alex andou por mais de três quilômetros, sem encontrar ninguém pela rua. Gotas de suor escorriam por seu rosto e ele sentia calor em meio ao frio da noite. Finalmente chegou ao seu destino. Rua de Todos os Santos, número 53. O portão maciço, de cor cinza escuro estava à sua frente entreaberto, mostrando de relance o quintal, que parecia estar morto. Aquela era a casa em que ele havia estado há um mês e dois dias. Aquela era a casa que começou a transformar sua vida em algo que ele não sabia bem o que era. Ali ele estava. Bastava subir as escadas e ele encontraria conforto nesta noite tão fria. Ali estava o que ele veio buscar. Entrou no quintal, devagar. Apesar de estar no escuro, sabia muito bom por onde andar. Subiu as escadas. A porta da sala também estava encostada. Entrou sem medo, mas com uma enorme apreensão. Parecia que seu cansaço fora embora com a chegada àquele endereço e não sabia bem o porque.

Josephine era uma mulher diferente. E diferente era mesmo a palavra certa para descrevê-la assim como o fascínio que ela exercia sobre os homens. Olhando-se de longe, parecia mais uma garota do que uma mulher, com seu corpo magro, e seus longos cabelos lisos e negros. Chegando mais perto, notava-se que parecia mais uma obra de arte, esculpida centímetro por centímero pelas mãos de um habilidoso artesão. Seu rosto fino, com olhos pequenos, sombracelhas certinhas e boca carnuda nunca soube o que era ser ignorado por um olhar masculino. Todos, sem exeção, olhavam para ela na rua. Mas ela é quem decidia quando e por quem seria vista. Sempre tinha o controle da situação. Sua pele branca, refletia a luz por onde passava, fazendo com que ela brilhasse com uma luz amena e encantadora. Mas uma outra coisa era unanimidade sobre Josephine: ao mesmo tempo em que todos se sentiam atraídos por ela, sua presença provocava um certo incômodo, uma sensação de sufocamento, algo difícil de explicar.

- Josephine?

Alex chamou quando entrou no corredor que dava para o quarto de Josephine. Avistou a porta do quarto, que estava aberta. Caminhou até a entrada e olhou para a cama. Lá estava ela, deitada, trajando uma camisola preta, que contrastava com a sua pele. Estava deitada de lado, olhando para Alex, sem piscar, seus olhos negros bem abertos. Havia, porém, algo estranho neles. Eles pareciam ter sangue. Havia sangue refletido nos olhos de Josephine. Alex se aproximou, ajoelhou-se no chão, ao seu lado, como se estivesse em penitência diante de uma imagem. Segurou suas mãos, que estavam frias. Ela apenas olhava. Ele tentou falar algo, mas não conseguia dizer nada. A garganta doía. Quando ia pronunciar as primeiras palavras, ela silenciou-lhe, dizendo:

- Shh! Não precisa dizer nada querido, eu já sei de tudo. Estava esperando por você.

Josephine continuou na mesma posição, enquanto Alex encostou sua cabeça à beira da cama. Os olhos dela, que estavam iluminados com o brilho do sangue e da noite, de repente foram escurecidos por um vulto que apareceu atrás dos dois. Havia uma pessoa ali, de pé, parada diante deles. Alex, entorpecido pelo cansaço de dias de angústia e pelo conforto de ter finalmente encontrado o objeto de seu desejo, não viu quando o vulto cravou uma faca em suas costas. No momento do golpe, ele ficou paralisado, olhando para Josephine, que parecia olhar a cena como se já esperasse por aquilo. Ela estava séria, compenetrada, como alguém que olha para uma obra de arte tentando entendê-la. O estranho puxou a faca, fazendo o sangue de Alex jorrar. Alex então caiu no chão, onde, mesmo à beira da morte, não conseguia parar de olhar para Josephine, com olhos bem abertos. O outro arrastou Alex para um canto do quarto e tomou seu lugar à beira da cama, mãos dadas com Josephine, que fitava-o, enquanto dizia.

- Eu também sabia que você viria.

Alex, já com a visão turva, assitia à cena, caído no chão. Ao ver aquilo, o ódio tomou conta de seu corpo, fazendo com que o ferimento derramasse mais sangue ainda. Em seu devaneio, lembrou-se do caminho que percorreu até chegar ali, naquele momento. Lembrou-se do momento em que viu Josephine na rua pela primeira vez, a primeira vez que havia entrado em sua casa, há um mês e dois dias e de como sua vida havia mudado depois disso. A distância dos amigos, a falta de concentração no trabalho, a briga consigo mesmo e lembrou-se desta noite, do portão da casa, do Absinto's, do conhaque e... do estranho no bar.

- Pegue isso filho, vai precisar.

As palavras ecoaram na cabeça de Alex como um trovão. No mesmo instante, com alguma dificuldade, colocou a mão no bolso e tirou o punhal que havia ganho do homem. Apertou o punhal em sua mão e levantou-se. Com um movimento rápido e cheio de ódio, agarrou o cabelo do estranho que havia lhe apunhalado pelas costas, puxou-o para trás, e com o punhal, rasgou-lhe a garganta em um só golpe. O corte fez com que o pescoço do homem dobrasse para trás, escorrendo uma quantidade absurda de sangue. Ele não conseguia dizer nada, pois sua tarquiéia havia sido dividida em duas. Caiu no chão agonizando. Ao olhar para verificar se seu inimigo estava mesmo morto, Alex olhou seu rosto: ele estava branco feito um cadáver, com olheiras negras. Alex, horrorizado, se lembrou de seu próprio rosto no espelho, antes de sair de casa. No mesmo instante percebeu que o estranho havia passado pelo mesmo que ele. Estava ali também pelo mesmo motivo.

- Não...

Alex caiu no chão, com lágrimas nos olhos, arrependendo-se do que havia feito. Estava morto. Punhal na mão. Não conseguiu realizar seu último desejo: beijar Josephine. E ela, que assistia à toda a cena deitada, finalmente se levantou da cama. Sentada, observou os dois corpos mortos e sorriu. Não foi um sorriso completo, mas sim, um leve sorriso com o canto de seus lábios. Era como se uma história engraçada a agradasse. Já de pé, ela abriu o guarda roupa. Era hora de sair. Escolheu um vestido e dirigiu-se ao banheiro para se trocar. Ao olhar no espelho, uma revelação se fez diante dela. Seus olhos já não refletiam sangue, eles estavam límpidos e claros. O sangue agora estava cobrindo o chão de seu quarto, onde os cadáveres sem vida, sussurrando, insistiam por chamá-la.

(Josephine...)

3 comentários:

Nina Maria disse...

Que mulherzinha mais mal acompanhada.
Credo. Cheguei a ficar com um certo medo durante a leitura, e apreensiva também.
Existem inúmeras "Josephines" soltas por aí.
Com egoísmo e orgulho, sugam a felicidade, beleza e energia dos mais fracos.
São pessoas de pouca luz, que não sabem se alegrar pela alegria de vida de outras pessoas.
Cuidado com as Josephines da vida.
hahaha.
Gostei muito, João. Realmente ficou bom.
Beijo.

Anônimo disse...

aqui... sem comentarios com os comentarios dessa ai de cima... mas tu ja imaginarias q eu diria isso...

enjoadinha essa historinha heim... mto forçada... precisa de um estilo mais interessante rapaz.

Anônimo disse...

Mto bom o texto. Gosto do estilo de frases curtas. O texto desenvolve melhor. O desenrolar foi deixando um toque de suspense, como um bom conto deve ter... Tá de parabéns!

Abraço!